Acreditava-se que a musculação só induziria os ganhos em força e hipertrofia quando utilizadas intensidades das cargas maiores que 60% de 1RM.
Porém, o treinamento de baixa intensidade com restrição do fluxo sanguíneo (RFS) tem desafiado esta teoria e demonstrado que adaptações positivas podem ser induzidas com intensidades muito baixas (<50% 1-RM) (Pope et al., 2013).
O treinamento com RFS é uma técnica idealizada em 1966 pelo cientista do esporte e fisiculturista japonês Yoshiaki Sato.
Um grande número de pesquisas demonstrou a eficácia do exercício (musculação de baixa intensidade, caminhada, ciclismo) combinado com RFS para aumentar a força muscular e hipertrofia.
A RFS faz com que ocorra hipóxia tecidual, aumento do acúmulo de metabólitos e estresse metabólico, do recrutamento de fibras de contração rápida (tipo II), da produção hormonal sistêmica e localizada, do inchaço celular (pump muscular) e da produção de espécies reativas de oxigênio e suas variantes, incluindo o óxido nítrico, entre outros efeitos que podem favorecer os ganhos em força e hipertrofia mesmo com intensidades extremamente baixas (Pearson et al., 2015).
Lixandrão et al. (2018) em revisão sistemática com meta-análise de 12 estudos que avaliaram a força e 10 estudos que avaliaram a hipertrofia em resposta ao treinamento com RFS demonstraram que o mesmo parece resultar em ganhos moderados na força muscular enquanto os ganhos hipertróficos parecem similares aos obtidos em resposta a musculação convencional com altas cargas (>60% de 1RM).
Musculação tradicional vs. Treinamento com RFS: adaptações neurais e hipertróficas
O aumento da força em resposta a musculação acontece em razão de dois fatores principais: neurais e hipertróficos.
As adaptações neurais predominam nas primeiras semanas de treinamento tradicional para pessoas não treinadas ou destreinadas.
Conforme o programa avança, os ganhos de força tornam-se mais dependentes da hipertrofia, sendo mais lentos e graduais.
Por outro lado, Loenneke et al. (2012) sugerem que o treinamento com RFS em baixa intensidade, apresenta um padrão inverso a musculação tradicional.
De acordo com os autores, os ganhos de força em resposta ao treinamento com RFS parecem se relacionar à hipertrofia desde o início, já sendo observada em muitos casos após alguns dias de treinamento, enquanto as adaptações neurais aparecem mais tardiamente, o que está associado diretamente às características deste tipo de treinamento com elevado estresse metabólico e baixa tensão mecânica.
Isso pode ser especialmente interessante para pessoas que não conseguem se exercitar normalmente na academia, como pacientes em reabilitação de lesões ou em pós-operatório de cirurgias ortopédicas, que normalmente apresentam rápida perda de força e atrofia muscular.
Treinamento com RFS em Indivíduos Saudáveis e Atletas
A musculação com baixas cargas (<50% 1-RM) e RFS pode resultar em ganhos expressivos na força e hipertrofia.
Quando comparado a musculação convencional, associado a altas cargas (>70% 1-RM), a musculação com RFS parece resultar em ganhos reduzidos na força muscular enquanto os ganhos hipertróficos parecem similares (Lixandrão et al., 2018).
Com base nisso, muitos questionam a real utilidade da musculação com RFS em indivíduos saudáveis capazes de realizar a musculação com altas cargas.
Podemos dizer que nem o indivíduo mais saudável e treinado consegue treinar sempre com altas cargas.
Durante a periodização existem fases específicas para se trabalhar com baixas cargas como as fases “regenerativas” ou de “repouso ativo”.
Em alguns casos na fase especificamente voltada para hipertrofia, resistência muscular localizada ou pré-competições a musculação com RFS pode ser de grande valia.
Além disso, durante a periodização de atletas, a musculação com RFS pode ser associado a musculação convencional em blocos semanais ou a cada duas semanas como uma forma de variação de estímulos que potencializaria os ganhos hipertróficos (Bjørnsen et al., 2019), ou para correção de assimetrias ou desproporções de forma aguda ou crônica em grupamentos musculares específicos.
Treinamento com RFS na Reabilitação
Recentemente, muito tem-se falado sobre a musculação com RFS no tratamento e reabilitação de lesões e patologias ortopédicas.
Os estudos sugerem que a musculação com RFS é mais tolerável que a musculação tradicional durante a reabilitação de forma geral, resultando em ganhos em força, hipertrofia e capacidade funcional, além de aumento do aporte sanguíneo em tecidos com pouca vascularização, o que pode acelerar o processo de recuperação.
Hughes et al. (2017) em revisão sistemática com meta-análise analisaram os efeitos da musculação com RFS em pacientes no pós-operatório de reconstrução de LCA, pacientes com artrose de joelho, pacientes com miosite e idosos com risco de sarcopenia.
Foi observada melhora da força em todos os estudos, melhora da capacidade funcional, aumento da massa muscular ou redução da perda e melhora de medidas de saúde vascular.
A musculação com RFS se mostra um excelente recurso e tem sido amplamente utilizada e recomendada como ferramenta eficaz para reabilitação de lesões, na prevenção da atrofia por desuso em pós-operatórios, na prevenção da sarcopenia e na melhora da capacidade funcional de indivíduos com patologias ortopédicas e idosos.
Treinamento com RFS em idosos
Estudos recentes sugerem efeitos positivos da musculação com RFS sobre a prevenção da atrofia por desuso e da sarcopenia, entre outros aspectos que podem repercutir na saúde, qualidade de vida e independência motora de idosos.
Centner et al. (2019), em revisão sistemática com meta-análise, analisaram os efeitos do treinamento de baixa intensidade e caminhada associada ao Treinamento com RFS sobre a força e hipertrofia em idosos.
Os resultados sugerem que a musculação de baixa intensidade e caminhada com RFS resultam em maiores ganhos em força e hipertrofia do que quando estas modalidades de treinamento são realizadas sem restrição.
Quando comparadas ao treinamento de alta intensidade o treinamento com RFS resulta em ganhos similares de massa muscular, enquanto os ganhos em força são maiores para o treinamento de alta intensidade.
Os autores concluem que o treinamento de baixa intensidade e caminhada com RFS são abordagens eficientes para a promoção de ganhos em força e hipertrofia para idosos.
Apesar disso, eles ressaltam que a literatura ainda é superficial em relação às variáveis moderadoras como o gênero, pressão do manguito, volume de treinamento e frequência.
Treinamento com RFS nas Respostas Vasculares
Em relação aos efeitos vasculares desta modalidade de treinamento, pode-se afirmar que ainda existe um paradoxo entre os benefícios e os possíveis riscos.
Alguns estudos demonstraram efeitos agudos positivos sobre a pressão arterial (efeito hipotensivo) e a angiogênese como possível efeito crônico (surgimento de novos vasos e capilares), enquanto outros estudos sugerem um risco de aumento exacerbado do reflexo pressor do exercício em cardiopatas (Spranger et al., 2015), piora do perfil inflamatório e o risco de lesão endotelial mesmo em indivíduos saudáveis (Da Cunha et al. 2020).
Como os estudos sobre os efeitos vasculares da musculação com RFS ainda são escassos, principalmente em cardiopatas, acredito que esta modalidade de treinamento ainda deve ser prescrita com extrema cautela nesta população.
Alguns estudos demonstraram efeitos agudos positivos sobre a pressão arterial de normotensos (efeito hipotensivo) (Maior et al., 2015; Neto et al., 2015), sugerindo que esta modalidade pode ter uma ótima aplicação prática no tratamento e/ou prevenção da hipertensão arterial.
Confirmando isso, recentemente publicamos um dos primeiros estudos conduzidos em hipertensos e os resultados são promissores (Martins et al., 2018).
Após a realização de apenas um exercício (Legpress), ambos os protocolos com (30% de 1RM+RFS) e sem restrição (70% de 1RM) resultaram em efeitos hipotensivos em homens hipertensos, com maiores magnitudes de redução na pressão arterial diastólica para o protocolo com RFS.
- Efeito hipotensivo
- Angiogênese
- ↑ do reflexo pressor do exercício?
- Risco aumentado para cardiopatas?
- Risco de lesão endotelial?
- Piora do perfil inflamatório?
- Poucas evidências em cardiopatas
Referências
- Bjørnsen T, Wernbom M, Kirketeig A, Paulsen G, Samnøy L, Bækken L, Cameron-Smith D, Berntsen S, Raastad T. Type 1 Muscle Fiber Hypertrophy after Blood Flow–restricted Training in Powerlifters. Med. Sci. Sports Exerc. 2019; 51: 288-298.
- Centner C, Wiegel P, Gollhofer A, König D. Effects of Blood Flow Restriction Training on Muscular Strength and Hypertrophy in Older Individuals: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Med. 2019; 49: 95-108.
- da Cunha Nascimento D, Schoenfeld BJ, Prestes J. Potential Implications of Blood Flow Restriction Exercise on Vascular Health: A Brief Review. Sports Med. 2020; 50: 73-81.
- Hughes L, Paton B, Rosenblatt B, Gissane C, Patterson SD. Blood flow restriction training in clinical musculoskeletal rehabilitation: a systematic review and meta-analysis. Br. J. Sports Med. 2017; 51: 1003-1011.
- Lixandrão ME, Ugrinowitsch C, Berton R, Vechin FC, Conceição MS, Damas F, Libardi CA, Roschel H. Magnitude of muscle strength and mass adaptations between high-load resistance training versus low-load resistance training associated with blood-flow restriction: a systematic review and meta-analysis. Sports Med; 2018; 48: 361-378.
- Loenneke JP, Wilson JM, Marín PJ, Zourdos MC, Bemben MG. Low intensity blood flow restriction training: a meta-analysis. Eur. J. Appl. Physiol. 2012; 112; 1849-1859
- Maior AS, Simão R, Martins MS, de Salles BF, Willardson JM. Influence of Blood Flow Restriction During Low-Intensity Resistance Exercise on the Postexercise Hypotensive Response. J. Strength Cond. Res. 2015; 29: 2894-2899.
- Martins MSR, de Salles BF, Marocolo M, Maior AS. Blood flow restriction training promotes hypotensive effect in hypertensive middle-age men. Arch. Med. Del. Deporte. 2018; 35: 73-78.
- Neto GR, Sousa MS, Costa PB, de Salles BF Novaes GS, Novaes JS. Hypotensive effects of resistance exercises with blood flow restriction. J. Strength Cond. Res. 2015; 29: 1064-1070.
- Pearson SJ, Hussain SR. A review on the mechanisms of blood-flow restriction resistance training-induced muscle hypertrophy. Sports Med. 2015 Feb;45(2):187-200.
- Pope ZK, Willardson JM, Schoenfeld BJ. Exercise and blood flow restriction. J. Strength Cond. Res. 2013; 27: 2914-2926.
- Spranger MD, Krishnan AC, Levy PD, O’Leary DS, Smith SA. Blood flow restriction training and the exercise pressor reflex: a call for concern. Am. J. Physiol. Heart Circ. Physiol. 2015; 309: H1440-H1452.
Pesquisador | Professor | Treinador