Os músculos do corpo humano são compostos por diferentes tipos de fibras: as fibras de baixo limiar, também conhecidas como fibras lentas, vermelhas ou do tipo I, e as fibras de alto limiar, também conhecidas como fibras rápidas, brancas ou do tipo II (que se subdividem em subtipos em IIA, IIX e híbridas). As fibras lentas têm alta capacidade oxidativa e por isso são utilizadas em atividades de resistência, enquanto as fibras rápidas são mais fortes e menos resistentes, sendo utilizadas para tarefas de força e velocidade.
De forma geral, os músculos do corpo humano apresentam fibras lentas em predominância. Apesar de menos suscetíveis a hipertrofia, pesquisas recentes sugerem que estímulos de intensidade leve a moderada, elevados tempos sob tensão, altos volumes de treinamento e/ou uso de recursos ergogênicos podem repercutir em elevados níveis de hipertrofia deste tipo de fibra.
Um estudo de Meijer et al. (2015) que teve como objetivo comparar as propriedades contráteis de fibras musculares de pessoas normais, atletas de potência e fisiculturistas, de certa forma confirma essa hipótese. Apesar de não ser o objetivo principal do estudo, os autores mostram que, para todos os tipos e subtipos de fibras, a área de secção transversa (CSA) foi significativamente maior nos fisiculturistas, inclusive as fibras lentas/tipo I que apresentaram CSA 50-100% maior do que dos demais grupos.
Além de fatores neurais, esses fatores morfológicos explicam em parte porque a força não apresenta, necessariamente, uma relação linear de proporção com o tamanho muscular. Ou seja, nem sempre um indivíduo mais “hipertrofiado” ou com maior quantidade de massa muscular será mais forte ou conseguirá mobilizar maior peso. Isso fica bastante claro ao compararmos atletas de powerlifiting com atletas de fisiculturismo. Comumente, fisiculturistas apresentam maior hipertrofia ou volume muscular que powerlifters, no entanto powerlifters mobilizam cargas muito mais elevadas e apresentam escores de força máxima muito maiores.
Em 1993, 2 grandes nomes, um do powerlifiting e outro do bodybuilding, realizaram um desafio promocional. De um lado: Doutor Hatfield, também conhecido como “Dr. Squat”, o 1º powerlifter a agachar com 1000lb, além de ser um pesquisador e referência como cientista do esporte. Do outro lado: Tom Platz, um dos maiores nomes do Mr. Olympia na década de 1980, dotado do que até hoje são considerados os maiores quadríceps do fisiculturismo de todos os tempos.
O desafio envolvia realizar uma repetição no agachamento com o maior peso possível e depois com aproximadamente 60-70% desse peso realizar o máximo de repetições possível até a falha.
Mesmo dotado de membros inferiores extremamente mais hipertrofiados, Tom Platz mobilizou 347kg para 1RM no agachamento enquanto, como já era esperado, Dr. Squat mobilizou maior peso 388kg. Apesar disso, Tom Platz realizou 23 repetições até a falha enquanto o Dr. Squat realizou 11 repetições com mesmo % de 1RM e se sentiu mal, o que sugere que a especificidade do tipo de protocolo de treinamento que cada um era acostumado repercutiu diretamente nesses resultados.
Além disso, esse desafio mostra claramente que um indivíduo com maior volume muscular nem sempre conseguirá mobilizar maior peso em um teste de força máxima.
Referências:
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Meijer et al. Single muscle fibre contractile properties differ between body-builders, power athletes and control subjects. Exp. Physiol., 2015 vol. 100(11) pp. 1331-41
Belmiro Freitas de Salles
Pesquisador | Professor | Treinador